A Dança da Morte

Em meio ao caos, ela dançou. Os demônios pensaram que ela dançava para eles. Inquietaram-se. Empurraram-se uns aos outros, babando lascivamente. Cada qual queria ser o primeiro a arrancar os seus véus. Possuí-la.
Absorta no mágico ritual feminino de auto-suficiência, vida e encantamento, ela dançava para si mesma, alheia às forças que desvelava ao seu redor.
Os demônios enlouquecidos vieram em direção a ela. Cercaram-na. Farejaram. Arquearam as suas pernas em posição de guerra. Suas feições enegreceram-se. Eriçaram-se os cabelos. Seus olhos, vermelhos. Saliva escorria pelos cantos da boca enrijecida. Tentou fugir. Mas eles subjugaram-na. Eram muitos. Arrancaram seus véus. Ela contorceu-se e gritou o grito das entranhas. Da dor. Da revolta. Sangue esvaía de seu ventre. “Não ouse olhar-nos”, ameaçaram. E ela cedeu. Sobrevivência.
Depois os demônios fugiram, em bando, atropelando-se. Assustados. Não era mais uma fêmea para copular. Era uma mulher ferida, quando perde o seu último véu, o seu último lacre, a sua última defesa – o amor próprio.
Sarah suicidou-se naquela noite.
Uma fera nascia em seu lugar.

©, 2009, Nancy Lix.

2 comentários:

Anônimo disse...

Este é um dos meus favoritos! Um banho de sangue e redenção, psicanalítico, alma mater da liberdade, perfeito.

Roger Jones disse...

a morte quis dançar comigo... mas, elegante, ela queria dançar uma valsa... a valsa da morte... mas eu, nu, infeliz e bêbado, queria dançar charleston, com tudo balançando... ridículo eu, ridícula a morte...

o que a morte tem de mim é o que eu tenho dela: a invejosa ânsia pela vida, ou por qualquer coisa que justifique o sangue que dá alma ao corpo ou espírito às idéias.

mas somos diferentes eu e ela, a morte... eu sou mais frágil, ela é mais performática... nesse descompasso não quis dançar com a morte... eu quis matá-la.

e ainda quero, mas não consigo... porque a morte consola minhas noites escuras e cheias de medo... só ela, mais ninguém... ela quer me matar e me mantém vivo... como uma esposa rancorosa e apaixonada...

eu preferia ser amado.
pela vida.

mas a vida não é boba:
só ama quem ama ela.

e nem adianta eu dançar charleston nu, infeliz e bêbado.

:/

 
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