Poema Melancólico a não sei que Mulher



Dei-te os dias, as horas e os minutos
Destes anos de vida que passaram;
Nos meus versos ficaram
Imagens que são máscaras anônimas
Do teu rosto proibido;
A fome insatisfeita que senti
Era de ti,
Fome de instinto que não foi ouvido.

Agora retrocedo, leio os versos,
Conto as desilusões no rol do coração,
Recordo o pesadelo dos desejos,
Olho o deserto humano desolado
E pergunto por que, por que razão
Nas dunas do teu peito o vento passa
Sem tropeçar na graça
Do mais leve sinal da minha mão...

Miguel Torga, in ‘Diário VII’

Voo da Libélula

Libélula
Madrepérola dos sonhos
Metamorfose feminina

Suas asas hão de soltar-se
através dos voos matutinos
planar sobre as águas cantantes
na doce música da juventude

Libélula
Elegante demoiselle
Volúvel donzela

Seu belo tempo há de passar
em curtos devaneios como a brisa
até a paixão encontrá-la

E com o vento da tempestade
as suas diáfanas asas serão levadas
para a boca do Condor


Nancy Lix. Poetas pela Paz e Justiça Social II. Ed Alcance

Ninjas

Supernovas eclodem na escuridão
À meia-noite quando ninguém vê

Dormem alienados os homens

Sob os cobertores nas frias manhãs
Lembrar-se-ão apenas da geada
A cobrir de branco tudo na terra

Nesta hora nascem ninjas de preto


© 2011, Nancy Lix.

Jardins Secretos

Todos cultivamos secretos jardins

Rosas, lírios, jasmins

Mesmo no mais árido deserto,
O vento desenha flores na areia.


© 2011, Nancy Lix.

A Loucura dos Frágeis


Impressões surrealistas,
coloridas reverberações,
a loucura dos frágeis
ultrapassa os matizes
das almas atormentadas
pela culpa na escuridão.

A dor de viver em trânsito infinito,
sombras e luzes na rua molhada,
dos faróis cegando os olhos
como carros na pista contrária
numa longa descida da serra,
um atrás do outro sem cessar,
numa noite que não termina nunca.

Mãos suadas na direção.
O alerta constante.
Dentre as imagens um branco
e ser jogado para fora da estrada.

O seu medo é perder a razão.


© 2010 Nancy Lix. Poetas pela Paz e Justiça Social II.
Editora Alcance. Porto Alegre.

A Bailarina

Entre a mãe
e a mulher que sou,
dança uma menina,
ao redor de si mesma,
uma olha,
a outra também,
cruzam-se os seus olhares
através da menina,
a mãe reprova a mulher,
a mulher reprova a mãe,
e, nesta ambigüidade,
a menina dança sozinha,
em torno de si mesma,
construindo o seu plié
numa caixinha de música.


© 2009, Nancy Lix. Lua em Refração.
Editora Plus. Porto Alegre

Motivos para odiar

Motivos para odiar
Eu os teria
Não fosse o sentimento
Da minha pequenez
Diante dos pássaros
Que trinam felizes
Num dia de sol qualquer


© 2010, Nancy Lix.

As Mãos do Baterista



Amo as mãos do baterista,
batendo firme,
forte,
acompanhando o ritmo
em batida cadência,
contida,
repetida,
sem tocar nos pratos,
- estridente dispersão –



Amo mais a contenção,
a pulsão concentrada
destes surdos momentos,
como se tocassem
em tom subliminar,
veladamente subliminar,
subtônico,
e, aperto os fones no ouvido,
tento isolar-me de tudo,
das vozes,
instrumentos de corda,
qualquer outro som,
concentro-me no baterista,
anônimo baterista,
sentindo-o nas minhas pernas,
com os calcanhares em sintonia
fazendo dueto comigo no chão.



Nancy Lix. As Mãos do Baterista, pág 125. Lua em Refração, Editora Plus, 2009.

Metamorfose


Permita-me fechar o anel,
engolir o meu próprio veneno,
em circunvolução,
nascer para mim mesma,
com asas,
tal serpente voadora,
acima do mal e do bem,
uma alma livre
num corpo de mulher,
que eu te permito
decifrares a tua sombra,
ou ser por ela ser devorado,
caso me obrigues
a rastejar sob os teus pés...


Nancy Lix. Metamorfose. Lua em Refração. Página 40, Editora Plus, 2009.

Flores



Não desejo mais receber flores,
Nunca sei se são aromas felizes
Ou notas de dissabores...
© 2010, Nancy Lix.

A Dança da Serpente


Deixe-a dançar
A serpente quer dançar

Deslizar em circunvoluções

Viver a canção dos sentidos

Deixe-a dançar
A serpente quer dançar

Apenas dançar a sua própria música

Nada mais.



© 2010, Nancy Lix.

Este amor de Mãe


Estranho amor este de mãe, ri-se com lágrimas, chora-se com sorrisos, perdoa-se tudo incondicionalmente.

(Nancy Lix, Reflexões 2010)
Não sou nada, apenas reflexo dos outros dentro e fora de mim.

Nancy Lix. Reflexões 2010.

Cantiga da Menina II

Menina escondida
No cesto de cerejas
Me dê a mão
Não tenha medo
O mundo é bom

Cresça ligeirinho
Abra bem os olhos
Morda uma cereja
Pinte os lábios de batom

O mundo é bom
O mundo é bom
O mundo é bom


© 2010, Nancy Lix
Ser mulher é sobreviver à sombra do homem.

Nancy Lix. Reflexões 2010.

O Poema de Nietzsche

Uma corda estendida
entre o animal e o super-homem,
uma corda sobre o abismo.

Perigoso transpor,
estar a caminho,
olhar para trás,
tremer,
parar.

Grande no homem é ser ponte,
não meta,
o poder amar-se,
ser transição
e ocaso.


Nietzsche, Assim Falou Zaratustra

O outro lado da lua


Quem já viveu o lado sombrio da humilhação
sabe como é difícil voltar a acreditar em ser mulher...


Nancy Lix, Reflexões 2010

Pecado dos Anjos


Viver
- meu segredo e nigredo pessoal -
com medo de perder as alturas,
as asas da minha sublime loucura,
a paixão do que nunca é vivido,
e nem pode
transformar-se em efêmera loucura,
humana,
letal,
em ritmo orgástico
esgotando seu poder e força pura.

Viver
- meu segredo e nigredo pessoal –
separando o dia da noite,
os opostos da minha alma,
os desejos imaterializáveis,
irreconciliáveis portanto com a vida,
como água e óleo,
velando a minha ungida loucura
através dos sentidos,
sem esgotar-se,
sem corromper-se
ante a brevidade da matéria,
bebendo o sangue e a ternura,
do mesmo cálice de estigma
e paixão,
na expectativa de orgasmo eterno.


© 2009, Nancy Lix. Lua em Refração
"Somente aqueles que verdadeiramente amam e que são verdadeiramente fortes podem sustentar suas vidas como um sonho... mesmo se você perder, ou ser derrotado por coisas, está protegido por seu próprio conto de fadas."

Ben Okri, In Arcádia (Phoenix House, 2002)
 
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